No início de 2010 um velho amigo me telefonou e disse:
“Fui chamado para uma reunião do conselho de acionistas e eles me convidaram para assumir a presidência da empresa”.
Uma explicação antes de prosseguir: a presidência estava vaga havia poucos meses porque, o presidente havia sido transferido para outro país para dirigir uma empresa do grupo e um membro do conselho de acionistas estava temporariamente exercendo a presidência até definirem o processo sucessório.
Eu logo perguntei:
“E você? Aceitou?”
Resposta do meu velho amigo:
“Eu disse que achava ainda que não estava pronto para assumir esta posição”.
Eu não me lembro exatamente as palavras que usei, mas lembro-me de ter quase dito um palavrão para ele, logo sufocado pelo bom senso que estava de plantão naquele momento.
Em seguida eu lhe perguntei se ele era muito exigente consigo próprio, com as coisas que estavam sob sua responsabilidade e com os filhos.
A resposta dele foi exatamente a que eu queria ouvir:
”Sou muito exigente comigo mesmo. Cobro-me a perfeição em tudo o que faço. Sofro quando algo não sai exatamente como eu gostaria que saísse.”
Naquele momento eu deveria ter feito uma pergunta para ele refletir, mas não resisti e acabei afirmando:
“Se depender de você, você nunca vai achar que está pronto para assumir esta posição, apesar de já estar pronto”.
Um silêncio se instalou entre nós até que ele tomou a iniciativa e me perguntou:
“Você acha mesmo que eu estou pronto?”
Respondi de pronto:
“Claro que acho. Aliás eu mesmo já havia sugerido seu nome há muito tempo atrás para os acionistas”.
E com a reação típica de quem tem este perfil ele me indagou:
“E agora? O que você acha que eu devo fazer?”
De novo eu deveria ter feito perguntas que o levassem a concluir o que deveria fazer, mas dado o nosso relacionamento eu não resisti e ataquei de novo:
“Você vai telefonar agora mesmo para o conselheiro X, dizer para ele que me telefonou, contar tudo o que aconteceu, sem tirar nada, e dizer a ele o seguinte: Eu estou pronto! Na verdade minha auto-cobrança de perfeição me levaria sempre a dizer que não estou pronto. Eu aceito assumir a presidência, se o convite ainda estiver de pé”.
Depois lhe disse: “Tenho certeza de que eles esperam que você faça isso. Assim que falar com eles me ligue para contar o resultado”.
Sem titubear o meu amigo pegou o telefone e fez exatamente isso.
Após algum tempo meu celular tocou. Era o meu velho amigo, exultante:
“Cara, você acertou na mosca. Até parece um bruxo. Aconteceu exatamente o que você previa. Eles me disseram que ficaram surpresos quando eu disse que não estava pronto. E mais, me disseram que ficaram super felizes com meu telefonema relatando o que conversamos. Acabo de ser nomeado presidente da empresa”.
Agora vamos analisar a situação de outra forma:
Um cargo vem acompanhando do seu respectivo “papel”. Este papel significa aquilo que é esperado que o ocupante do cargo represente.
Como um ator em uma peça de teatro, escolhido para representar um papel, um personagem. Ele precisará dar vida àquele personagem, de modo que ele realize aquele “papel” dele esperado na peça.
Quanto melhor for a representação daquele papel, ou seja, quanto melhor o personagem for representado, maior será o sucesso da peça.
Maior será o sucesso de bilheteria quanto melhor for a representação de cada papel.
Assim também é na empresa. A empresa precisa ser um sucesso de bilheteria.
Para isso os atores precisarão representar com a melhor qualidade seus respectivos papéis, dando vida a seus respectivos personagens.
É neste ponto que quero focar este artigo.
Cada um de nós carrega uma personalidade, um estilo pessoal. Algo que foi forjado nos primeiros 8-10 anos de vida. Algo que faz com que os nossos comportamentos sejam repetidos no “modo automático”, ou “inconsciente”, ao longo da vida. Este é o nosso jeito de ser, a forma como nos mostramos para o mundo, a forma como interagimos com o mundo. Usando uma linguagem mais tecnológica, nossa interface amigável com o mundo.
O ator mencionado também tem o seu jeito de ser, a sua personalidade, o seu estilo pessoal, o seu ego, e outros vários nomes que queiramos dar para a mesma coisa.
Mas no papel que ele representa na peça de teatro ele precisa dar vida própria ao personagem que irá representar.
Ele precisa saber separar a sua personalidade do personagem que irá representar. Quanto melhor ele fizer isso, melhor será o resultado. Mais vida própria o personagem terá. Mais “real” parecerá, a ponto de alguns atores serem odiados ou amados pelo público, por causa dos personagens por eles representados.
Se não fosse assim, para representar o papel de um “serial killer” seria preciso recrutar o ator em uma prisão de segurança máxima.
O que o meu velho amigo não havia se dado conta era exatamente isso:
“Ele não precisaria se tornar um serial killer para representar o papel de um serial killer. Ele poderia continuar sendo quem ele sempre foi. Mas no papel de presidente precisaria dar vida ao personagem. Precisaria apenas separar a sua personalidade como ator, do personagem “presidente da empresa x”.
Logo depois que o meu amigo me telefonou dizendo que “foi nomeado presidente” eu lhe fiz uma pergunta que me esqueci de mencionar. Eu lhe perguntei o seguinte:
“ Se você tivesse que descrever o papel que o presidente terá que desempenhar nesta empresa, o que você descreveria?”
E antes que ele me respondesse lhe disse:
“Não importa o que você descrever, não será este será o papel que a pessoa contratada para este cargo terá que desempenhar?”
“Então é este o papel que você precisará desempenhar”!
Pense nisso...
Será que você está representando um papel e, ao invés de dar vida ao personagem, está fazendo com que ele se comporte exatamente como você se comporta?
O personagem que você representa na empresa tem vida própria ou ele está sendo um clone de você?
Se você “olhasse a empresa de fora” e descrevesse o papel deste personagem na peça, que papel descreveria para ele?
Não será este o papel que você cobraria de alguém que você contratasse para representá-lo?
Então este é o papel que você precisará representar.
Se você achar que vai ser complicado representar este papel, que ele será penoso para você, ou que ele é muito complexo, então será preferível não aceitá-lo do que representá-lo mal e colocar o sucesso da peça em risco.
Pense nisso...
Um forte abraço!
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