Uma delas, ao acabar de comer, imediatamente liga o seu “palito de dentes pneumático” e começa a fazer aquele som estridente na tentativa se “sugar” eventuais detritos entre os dentes.
Outra delas não consegue tomar um cafezinho quente sem fazer aquele som característico da “sugada superficial” para não queimar os lábios.
E a última delas produz um som instrumental “interessante” com o canudinho quando seu suco de laranja está no finalzinho e ela quer sugar até a última gota.
Nenhuma delas percebe o que faz, mas todos ao redor percebem. E se incomodam. Eu, inconscientemente, olho para as mesas ao redor e noto que as pessoas estão olhando e mostrando desapontamento.
Este é o fenômeno do comportamento inconsciente. Aquilo que fazemos sem percebemos que fazemos. Mas que os outros percebem.
O chato disso é que eu nunca pude dizer a estas três pessoas o que elas fazem e como isso incomoda os outros. Se o fizesse, correria o risco de arranhar o nosso relacionamento. Se eu dissesse isso a qualquer uma destas pessoas isso as faria se sentir mal. “Doeria” ouvir isso.
Mas se elas encomendassem um trabalho de coaching visando o aperfeiçoamento de suas aptidões sociais, eu iria realizar uma pesquisa com várias pessoas, o que certamente revelaria estes comportamentos como sendo aqueles que “incomodam” e que “devem ser trabalhados”.
O mesmo se passa com os líderes com quem realizo o trabalho de coaching executivo.
Apesar de a imensa maioria deles não sugar os dentes, o café ou o suco de laranja, todos, sem exceção, revelam pelo menos um comportamento que aborrece ou que incomoda os colegas de trabalho, sejam eles superiores, pares, liderados, atingindo até clientes e fornecedores.
Há uma lista considerável de comportamentos, mas cito aqui alguns mais frequentes:
· Não saber ouvir, interrompendo o outro enquanto ele tenta explicar algo.
· Adicionar um “não”, um “veja bem”, um “mas”, assim que uma pessoa termina de dizer algo e iniciar assim o seu discurso de negação ou desconstrução do que o outro acabou de dizer.
· Demonstrar expressões não verbais de discordância – em alguns casos demonstrações de “aborrecimento” – enquanto o outro tenta mostrar uma idéia com a qual não concorda mesmo antes de o outro terminar a apresentação.
· A irresistível tentativa de acrescentar a sua marca pessoal no que o outro apresenta. “Se adicionarmos isso, aquilo, e mais não sei o que, ficará muito melhor”.
· Agir com arrogância, com soberba, ou ainda demonstrando uma falsa humildade e fazendo um aparte do tipo “Não sei se compreendi bem sua idéia, pois não me considero especialista no assunto, mas ...”. O que leva o outro a entender que ele compreendeu muito bem a ideia, que ele se considera um especialista no assunto, que ele discorda do que você apresentou e quer lhe mostrar que ele é o mais esperto, e que você é quase nada.
Exatamente o que relatei em relação às três pessoas acontece com o processo de executive coaching.As pessoas que trabalham com o executivo (seus stakeholders) percebem os comportamentos inadequados, se incomodam, mas não falam diretamente porque não querem arranhar o relacionamento ou porque não querem provocar a dor no outro.
Quando apresento para um executivo (só a título de justiça, para uma executiva também) o relatório produzido a partir das nossas pesquisas com seus stakeholders, inevitavelmente observo a expressão de “dor” causada pela percepção de que “os outros percebem e se incomodam com comportamentos que ele(a) demonstra e que não tinha consciência de que demonstrava, ou de que incomodava”.
Infelizmente este caminho, o da dor, é o único capaz de promover mudanças positivas de comportamentos.
Até porque, a partir do momento em que revelo a fotografia para o(a) executivo(a), esta pessoa não tem mais a opção de mudar seu comportamento. Ela tem a obrigação de mudar.
A partir deste momento ela sabe o que todos os outros já estão cansados de saber.
E mais, a partir deste momento ela também sabe que todos os outros sabem que ela passou a saber o que ela faz e que incomoda, atrapalha.
No próximo artigo pretendo oferecer algumas sugestões para promover o processo de mudança e para promover a percepção da mudança.
Um forte abraço